Blog

Categorias

    As perguntas do tio Riomar

    As perguntas do tio Riomar

    4/12/2022

    A minha tia Guiomar é uma senhora bem-parecida que dá ares do irmão, o meu pai. Tem cabelos castanhos, ondulados, sedosos e os olhos são vivos, de um azul cristalino. Além disso, o riso de água em cascata da tia Guiomar põe toda a família bem-disposta. E por isso todos gostam dela. Há uns bons anos casou com um senhor, que veio a ser o meu tio Riomar, e foram viver para uma cidade antiga, no litoral, cujo rio é atravessado por várias pontes.

    Haverá quem pergunte: pode uma cidade estender-se pelas margens de um rio e ao mesmo tempo molhar os pés no mar? Claro que pode. A cidade onde moram os meus tios é assim. Ele gosta muito de campos e povoações atravessados por rios, e não consegue passar muito tempo longe da costa. A tia Guiomar tem os mesmos gostos.

    Um dos prazeres do meu tio é contemplar as águas em silêncio, de telemóvel desligado, a diferentes horas do dia. Gosta de assistir ao amanhecer dos rios e de ver o disco do sol, ao fim da tarde, a mergulhar no horizonte do mar. E também gosta de atravessar pontes e de percorrer caminhos e estradas à beira-rio ou junto à costa.

    Nunca se cansa o tio Riomar e, como viajou e conhece diversos mares e rios, dedica-se a anotar perguntas num caderno – até porque ele prefere perguntas a respostas.

    Um dia, pedi-lhe que me deixasse ler o seu caderno e, algum tempo depois, que me deixasse fazer um livro com algumas das perguntas, ilustradas por mim. E ele acedeu ao meu pedido.

    Aí ficam, então, algumas, só algumas das perguntas do tio Riomar.

     

    Os rios chegam sempre a horas

    às cidades por onde passam?

     

    Os rios nunca se magoam

    nas quedas de água?

     

    Quando os homens

    desviam um rio do seu curso

    ele perde o sentido de orientação?

     

    Que momentos escolhem os rios

    para chorar?

     

    Os rios nunca gozam férias?

     

    Como é que as nuvens devolvem

    a água que lhes foi emprestada?

     

    Com que se poderá lavar

    a água dos rios? E quem o poderá fazer?

     

    De que são feitos

    os sonhos dos rios?

     

    Quando um rio seca

    para onde vai a sua alma?

     

    Só mais uma coisa: acho que percebo porque é que o meu tio tem o nome que tem. Só não lhe perguntei ainda é quem lho pôs…

    E, já agora, porque terá ele casado com a tia Guiomar? Desconfio que não foi só por ela ser bonita.


    João Pedro Mésseder

    • Efeméride
    • Literacia