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    O Dia Internacional da Língua Portuguesa e a escola

    O Dia Internacional da Língua Portuguesa e a escola

    4/30/2021

    A minha “língua” tem a idade que eu tenho. Ou melhor, esta fala que me diz – oral, escrita – é da minha idade. Mas, herdeiro que sou, ela é filha de uma Língua com mais de oito séculos, um idioma afinal tão antigo como é jovem. Recriando Pessoa apetece escrever: tão jovem, que jovem é. Pois só uma Língua assim “jovem” e pujante é capaz de prosseguir a sua deriva em relação ao Galego-Português, em especial a partir do século XIV, constituindo-se como fator de independência e unidade nacional, de se apurar e estabilizar no século XVI e de continuar hoje a viajar(-se) em cada falante, em cada um dos lugares do mundo onde é usada, em cada grande livro escrito em Português, em cada canção neste idioma.

    Outrora Língua de colonização, ela é hoje (ou deve ser) Língua de emancipação, de diálogo e de fratria. Branca, negra ou mestiça, utilizada atualmente por cerca de 270 milhões de almas, ela crioulizou-se nos crioulos de Cabo Verde, da Guiné-Bissau, de Angola e doutras latitudes, e a expansão portuguesa fê-la deixar rasto em línguas orientais, como o japonês… Casando-se com o Castelhano gerou o dialeto Barranquenho e algo de seu terá inoculado no asturo-leonês falado na região de Miranda do Douro e que dá pelo nome de Língua Mirandesa. O Português adquiriu realizações peculiares no Minderico de Minde e Mira de Aire. E, no Brasil, mesclou-se com as línguas indígenas, as africanas e outras e reinventou-se na variante brasileira, essa espécie de língua-em-festa que hoje escutamos em toda a grande MPB (Música Popular Brasileira), seja em Clementina de Jesus e Elza Soares, em Dorival Caymmi, Vinicius/Tom Jobim e João Gilberto, seja em Chico Buarque, Nara Leão, Maria Bethânia e Gal Costa, ou em Caetano Veloso, Gilberto Gil e Milton Nascimento. Além do mais, o Português reencontra a sua língua irmã, o Galego, em cada relação familiar ou comercial transfronteiriça, em cada convívio entre gentes de Santiago ou Tuy e de Portugal – por vezes a recordar poetas da estatura de uma Rosalía de Castro ou de um Uxío Novoneyra ou destacados prosadores como Alfonso Castelao ou Carlos Casares. Rosalía que, lembre-se aqui, foi bem-querida por poetas portugueses como Eugénio de Andrade, e ganhou notoriedade no célebre “Cantar de emigração” de Adriano Correia de Oliveira.

    Antigo e jovem é esse Português que escutamos em Amália, José Afonso e Carminho, em Rui Mingas e Cesária Évora, em Noel Rosa, Luiz Gonzaga e Adriana Calcanhoto, ou nos netos mestiços, e cantores, de Chico Buarque; antigo e jovem é, porque é farol na Europa e na América do Sul, larga e intensa constelação de luzes na África ocidental e oriental, sem esquecer os focos que brilham na Oceânia e na Ásia.

    O Português foi sempre, e continua a ser, um idioma capaz de propiciar as mais peculiares aventuras criadoras, seja nas produções do timorense Luís Cardoso, dos moçambicanos Craveirinha, Mia Couto e Geremias Mendoso, dos angolanos Agostinho Neto, Ruy Duarte de Carvalho, Ondjaki ou Djaimilia Pereira de Almeida, seja nas escritas da guineense Odete Semedo, das santomenses Alda do Espírito Santo e Olinda Beja, dos cabo-verdianos João Vário, Germano Almeida e Arménio Vieira, ou ainda nas dos brasileiros Machado de Assis, Guimarães Rosa, Bandeira, Cecília Meireles, Drummond, João Cabral de Melo Neto, Clarice Lispector, Lêdo Ivo, Manoel de Barros e Chico Buarque. Trilhos de criatividade linguístico-literária empreendidos, na Europa, por Gil Vicente, Camões e Vieira, Garrett e Eça, Pessoa e Aquilino, o açoriano Vitorino Nemésio ou o madeirense Herberto Helder, o transmontano Miguel Torga, o duriense João de Araújo Correia, o alentejano Manuel da Fonseca, o ribatejano Saramago ou o filho de goês Orlando da Costa, entre tantos outros.

    Língua que atravessou a História e lhe foi dando também forma escrita, língua de tantas falas e colorações feita, de travessias oceânicas e de territórios e países tão distantes uns em relação aos outros, o Português é elemento de unidade e diversidade, traço identitário dos muitos e muitos milhões de falantes que o assumem como idioma de comunicação e de cultura; e, seja lido ou ouvido, ergue-se como fonte inesgotável de fruição estética e de reflexão sobre a vida. Como neste bem conhecido poema do angolano Agostinho Neto, do livro “Sagrada esperança”: “A quitanda. / Muito sol / e a quitandeira à sombra / da mulemba. // – Laranja, minha senhora / laranjinha boa (…)”.

    Neste seu dia internacional, saibamos, por isso, valorizar a Língua Portuguesa enquanto veículo de cultura e instrumento de expressão. Façamo-lo nos media, mas principalmente nas escolas, nas bibliotecas e noutras instituições culturais e artísticas de Portugal e doutros países. E ajudemos as nossas crianças e os nossos jovens a ter consciência da riqueza deste património, que não é coisa cristalizada mas sim coisa viva.

     

    Para assinalar o Dia Internacional da Língua Portuguesa – 15 sugestões para as escolas

     ▪ Identificar, num mapa do mundo, a localização dos diversos países de diferentes continentes onde se fala Português; enfatizar a importância da presença da Língua Portuguesa no mundo e o número de falantes por continente, eventualmente por país (1.º ciclo até ao secundário).

    ▪ Escutar e analisar gravações (ou ver/escutar vídeos) de falantes do Português oriundos de diferentes países e de diversas regiões de Portugal. Observar as diferenças de pronúncia (1.º ciclo até ao secundário).

    ▪ Organizar com as crianças / jovens uma recolha de provérbios portugueses (por temas – ex.: sobre o comer, sobre riqueza e pobreza, sobre animais, etc.). Valorizar a expressão dessa sabedoria popular na Língua Portuguesa (1.º, 2.º, 3.º ciclos).

    ▪ Escutar e comentar gravações, ou ver/ouvir vídeos de poesia declamada por Mário Viegas e/ou por João Villaret (por ex. o poema “Procissão”, de António Lopes Ribeiro e outros, de Pessoa, de Camões, de Drummond) (1.º ciclo até ao secundário).

    ▪ Pesquisar e registar trava-línguas, ou consultar uma boa recolha, por exemplo “Três Tristes Tigres: Trava Línguas, Piadas”, de Luísa Ducla Soares; treinar a dicção e pronúncia de trava-línguas (1.º e 2.º ciclos).

    ▪ Organizar, com o apoio do dicionário, pequenas listas seletivas de palavras musicais, de palavras ternas, de palavras saborosas, etc. Aperfeiçoar a pronúncia e dicção dessas palavras; empregá-las em frases; explorar-lhes os significados (1.º e 2.º ciclos).

    ▪ Com os mais novos, ouvir ler e ler poemas de Matilde Rosa Araújo (cujo centenário do nascimento se comemora em 2021), por exemplo de “O livro da Tila”, “As fadas verdes”, “Mistérios”, “O cantar da Tila”, “A guitarra da boneca”, “Segredos e brinquedos” ou “Anjos de Pijama”. Escutar as canções de Fernando Lopes-Graça, de Jorge Constante Pereira, de Adriano Correia de Oliveira ou de Suzana Ralha e do Bando dos Gambozinos com poemas de Matilde, uma das maiores poetisas da Língua Portuguesa para a infância (1.º ciclo).

    ▪ Dar a conhecer aos mais novos os livros infantis do angolano Ondjaki, do moçambicano Mia Couto, da santomense Olinda Beja, dos brasileiros Clarice Lispector, Ziraldo, Ana Maria Machado e doutros.

    ▪ Escutar as canções do disco “Arca de Noé”, de Toquinho e do notável poeta brasileiro Vinicius de Moraes (buscar as gravações na Internet). Ler, apreciar, analisar alguns destes poemas-canções incluídos no livro com o mesmo título (1.º e 2.º ciclos).

    ▪ Escutar as canções do livro “Ou isto ou aquilo”, da grande poetisa brasileira Cecília Meireles, interpretadas por Lena d’Água (procurar as gravações na Internet). Ler, apreciar, analisar alguns destes poemas (1.º e 2.º ciclos).

    ▪ Escutar, fruir e analisar canções de José Afonso como “Verdes são os campos” ou “Endechas a Bárbara escrava”, cujas letras são poemas de Camões, ou como “No comboio descendente”, cuja letra é um poema de Fernando Pessoa (1.º, 2.º, 3.º ciclos).

    ▪ Pesquisar, ler, dizer poemas cómicos como os curtos epigramas de Bocage ou os poemas humorísticos de um Nicolau Tolentino, um Alexandre O’Neill ou um Mário-Henrique Leiria (1.º e 2.º ciclos). Ler oralmente, fruir e analisar um fragmento cómico do “Romance da raposa”, desse mestre da Língua que foi Aquilino Ribeiro. Compreender as potencialidades humorísticas da Língua.

    ▪ Ouvir a gravação do “Sermão de Santo António aos Peixes”, do Padre António Vieira, dito por José Carlos Ary dos Santos. Dar a conhecer esse príncipe da escrita em Língua Portuguesa que foi Vieira (secundário).

    ▪ Ler, apreciar esteticamente e compreender o célebre excerto sobre a guerra do Padre António Vieira, extraído do “Sermão histórico e panegírico nos anos da rainha D. Maria Francisca de Sabóia” (2.º, 3.º ciclos e secundário). Abordar sucintamente a vida e a obra de Vieira.

    ▪ Fazer um levantamento de palavras e expressões inglesas que, no quotidiano e nos media, poderiam e deveriam ser substituídas por palavras e expressões portuguesas equivalentes (1.º ciclo até ao secundário). Discutir os efeitos desta “doença” de que padece hoje a comunicação em Língua Portuguesa, mesmo em meios ditos cultos.

     

    José António Gomes

    CIPEM / INET–md e IEL-C – Núcleo de Investigação em Estudos Literários e Culturais da Escola Superior de Educação do Porto



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