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    Conversas com uma amiga imaginária

    Conversas com uma amiga imaginária

    2/4/2020


    − Desde que comecei a partilhar fotos mais sensuais, passei a ter mais seguidores.

    (Já pensaste que essas pessoas podem não se interessar por ti nem pelo que sentes, mas sim pelo teu aspeto e pelo teu corpo?)

                  − Eu sei que gostam do meu corpo. Claro! Sou gira! Passei a ter mais amigos na escola, e imensos convites para sair, ir a festas… até há mais rapazes interessados em mim!

                  (O que é para ti um amigo? Alguém que te segue porque és bonita e bem feita? Ou alguém que te ouve, te aconselha e te apoia, se for necessário?)

                  − Não tenho muitos amigos desses. Isso é mais para aquelas atadinhas feias que não têm seguidores porque só partilham fotos de gola alta e calças largas. O que interessa é que tenho centenas de likes numa hora. Mais do que elas terão num mês ou num ano!

               (Nunca te ocorreu que esses likes te transformam num objeto? Eles não veem dentro de ti. Apenas apreciam o que és por fora.)

                  − Deixa-te de psicologias! Eu sou famosa. É isso que interessa. As fotos mais sensuais são só para meu namorado.

                  (E ele, que faz às fotos que lhe mandas?)

                  - Olha! O mesmo que eu faço às que ele me manda. Aprecia o que é bonito!

                  (Não tens medo que ele envie essas fotos para outras pessoas? Não sentes que pões em perigo a tua privacidade?)

                  - Ele nunca faria isso! É o meu namorado e gosta de mim a sério. O namorado da Rita é que lhe fez isso. Agora, quando ela passa pelas pessoas na escola, todas gozam com ela.

                  (E tu? Não tens medo que te aconteça algo do género?)

                  - Ele prometeu-me que nunca mostraria as fotos a ninguém. Elas são uma espécie de prova de que gostamos um do outro.

                  (E essas manifestações não deveriam ser guardadas para quando estão juntos?)

                  - Até parece que estou a fazer o mesmo que a Luísa. Ela é que envia fotos a provocar os rapazes. Até as manda a alguns que não conhece.

                  (E que pensas tu dessa atitude?)

                  - Ela é que sabe! A vida é dela! São só fotos. O que poderá correr mal?

                  (Tanta coisa. Imagina que essas imagens vão cair em mãos erradas. Sabes que há tráfico de fotos de adolescentes e crianças? Sabes que há pedófilos que procuram constantemente esse tipo de fotos? Sabes que há homens à procura das jovens que parecem mais disponíveis?)

                  - Isso é muito dramático. Não vai acontecer nada disso. Andas a ver muitos filmes!

                  (E no vosso círculo de amigos, como é vista a Luísa?)

                  - Todos dizem que ela é boa para isto. Muitos querem ser “amigos” dela, para seguirem as suas publicações.

                  (Ou seja, para verem o seu corpo e o que ela faz com ele…)

                  - Pois…

                  (E tu, gostarias de te sentir assim?)

                  - Claro que não, mas eu não faço nada de mal. Publicar uma foto nas redes sociais é só ter a garantia de inúmeras reações (likes, comentários, partilhas). E isso significa que eu sou admirada, que as pessoas gostam mesmo de mim, que sou popular, que me invejam. Percebes? Se publicar uma foto bonita, mostro que sou melhor do que os outros. É uma espécie de competição que me faz sentir bem.

                  (Experimenta publicar um texto que seja mesmo bom, melhor do que os outros…)

                  - Achas?! Ninguém quer saber de textos. Então, se forem grandes, esquece!

                  (Ninguém quer pensar, usar a cabeça…)

                  - Pois! A net é para nos divertirmos. Ainda se fosse uma frase daquelas bem profundas (e curtas) que andam por aí… Isso não fica mal. Dá ideia que somos lindas e tipo “intelectuais”.

                  (Ah! É uma questão de parecer bem…)

                  - É sempre isso que importa. Olha! Estou a receber fotos novas… que gordas estas miúdas! Olha… mas esta sou eu… Como é que isto veio aqui parar?

                  (Eu avisei…)

                  - Cala-te! Se não fosses uma voz dentro da minha cabeça, até dirias que és a minha mãe. Cala-te!

                  (Okay, okay…)

                  - E agora? 


    Por Carla Marques

    • Pais e família