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    As dependências online nos jovens em tempos de quarentena

    As dependências online nos jovens em tempos de quarentena

    11/12/2020

    Durante a quarentena são vários os pais que perguntam: Então e agora, vão todos ficar dependentes do mundo online? Ou: Ainda vão ficar mais dependentes do que fazem online? Dos jogos? Das redes sociais?

    A resposta à primeira pergunta é NÃO, e à segunda pergunta é SIM.

    NÃO vamos ficar todos dependentes do que estamos a fazer online, porque estamos a fazer o que sempre fizemos: a socializar, a trabalhar, nas compras, e até nos hobbies habituais, ou a tentar encontrar novos hobbies. O que mudou?  Passámos a fazer a maior parte das nossas atividades online.

    Existem até algumas vantagens, como por exemplo: aumentar a nossa literacia digital; conhecer melhor as competências digitais do mais novos, e aumentar a dos mais velhos (avós), ainda que à distância; maior partilha entre gerações dos seus interesses online.

    Estamos a saber usar melhor as plataformas de comunicação, e até estamos a aderir a novas plataformas de comunicação. É comum ouvir-se em tempos de quarentena: Já não tinha conta no Faceboock, voltei a ter! Entrei pela primeira vez no Instagram! Nunca tinha feito uma videochamada com mais do que uma pessoa!

    Usar as tecnologias de informação e comunicação (TIC) em tempos de quarentena passou a ser o novo “normal”, mais uma experiência, e muito significativa, na vida de todos.

    Contudo, também existem desvantagens, sobretudo: dificuldade em estabelecer um limite de consumo do tempo online; interferência nas rotinas do sono e da alimentação; nas situações clínicas de vulnerabilidade psicológica, o estar online pode servir de escape para lidar com emoções negativas e para o desenvolvimento de estratégias para a resolução do problema; e nas situações de risco prévio de dependência, pode ocorrer um agravamento, que após a quarentena, será mais evidente.

    E aqueles que, já eram dependentes da tecnologia e/ou estavam em risco, vão ficar mais dependentes do que fazem online, por estarem agora confinados, em isolamento social? SIM. E quais os fatores que estão a concorrer para que assim seja?

    São vários os fatores de risco que podem contribuir, por um lado, para o agravamento de uma dependência online previamente existente ao período da quarentena, ou por outro lado, para a agudização de situações que estavam em risco de desenvolvimento de uma dependência online. Quando já existe uma condição de vulnerabilidade psicológica prévia é necessário estar atento a várias características que reforçam a dependência online (por exemplo, dos jogos online, das apostas online, das redes sociais) sobretudo nos mais jovens, sendo elas: personalidade introvertida; dificuldades no desenvolvimento de competências sociais; baixa autoestima; impulsividade; baixa tolerância à frustração; dificuldades em lidar com o aborrecimento (com os momentos de pausa); procura de emoções fortes e de satisfação imediata; baixo autocontrolo; baixa motivação escolar; conflitos associados ao contexto académico (por exemplo, ciberbulliyng); contexto familiar pouco coeso e com dificuldades de comunicação; comorbildades pré-existentes (por exemplo: PHDA, ansiedade social, depressão, perturbação do sono, perturbação do comportamento alimentar, entre outras).

    Estes casos já necessitavam de ajuda antes da quarentena, por isso, mantem-se a necessidade de ajuda na área da saúde mental. Agora as diferenças ficam mais esbatidas, porque a probabilidade de todos na mesma casa estarem mais tempo online, vai fazer com que fiquem numa zona igualitária quanto ao consumo do mundo digital, e assim, só mudam os conteúdos e preferências, de uns e de outros. OS jovens que já eram dependentes do jogo online e das redes sociais podem utilizar essa estratégia do mundo online como escape do que estão a sentir, como escape do impacto negativo da quarentena.

    Os pais e os professores podem ser aliados e não inimigos nesta “batalha” sobre o uso das TIC. Em tempo de quarentena as TIC são usadas por todos na família, e por isso, falar-se de dependência online per si pode ficar descontextualizado, uma vez que, os adultos da família também estão online. Este cenário torna mais difícil um pedido de ajuda.

    Por isso, é importante que, em tempo de quarentena, se faça uma nova negociação de regras e limites do consumo do que se faz online (por exemplo: redes sociais, trabalho, jogos, compras, entre outros). Será tanto mais complexo se anteriormente este não foi um assunto debatido e negociado. É necessário haver horas para as necessidades básicas, para estudar e trabalhar online, para os hobbies online, para a socialização online, e para o aborrecimento (as chamadas horas de pausa).

    O aborrecimento pode permitir a criatividade, a partilha, a busca de outras soluções para o que se está a sentir, que não passem exclusivamente pelo mundo online.

    No contexto da quarentena ainda pode surgir a dificuldade para lidar com emoções negativas, sobretudo porque os jovens têm necessidade de cumprir com várias tarefas ao longo da adolescência (por exemplo: estar com o grupo de pares; testar a sua autonomia), que o confinamento não permite, o que faz com que recorram de forma excessiva à comunicação online e às partilhas nas redes sociais, para conseguirem cumprir com essas tarefas.

    Sabemos da investigação que o recurso à socialização online é uma realidade para os jovens, que por serem nativos digitais, da geração cordão, já têm o processo de socialização adquirido de forma mista (presencial e digital), e nesse contexto sentem que estar online é uma forma de estar junto de alguém e assim colmatar a necessidade de convívio. O risco existe quando a socialização digital passa a imperar – mesmo em quarentena há necessidade de ajustar rotinas e de manter as rotinas básicas – sono, higiene, alimentação.

    As recomendações na área da gestão do comportamento online são para todos – pais, filhos e, também para os professores. Os adultos são os modelos na regulação do comportamento, por isso, acresce uma responsabilidade aos professores, que agora também estão online com os seus alunos, e podem ter que abordar esta temática em aula virtual, de forma a ajudar na gestão do comportamento online. Já existia a desculpa: Estou no quarto no computador a estudar! Como sabemos os professores não vão exigir um horário de estudo online sem ter em conta os tempos de quarentena.

    Cada família, com cada um dos seus elementos, respeitando idades e características individuais pode assumir este tema, como um dos temas da quarentena, de forma a prevenir o desenvolvimento de uma dependência online e para que o regresso à vida “dita normal” se consiga fazer com o menor impacto possível.


    Por

    Ivone Patrão

    Psicóloga, Coordenadora do Geração Cordão – comportamentos e dependências online

    Docente e investigadora no ISPA-Instituto Universitário (APPSYCI)

    geracaocordao@gmail.com


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