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Numa palavra – Reinvenção
9/8/2021
Os períodos de confinamento e progressivo desconfinamento que vivemos tiveram um incomensurável impacto em todos os sectores da sociedade e obrigaram a profundas mudanças na vivência diária dos indivíduos, a nível pessoal, profissional e social.
Não temos dúvidas de que as crianças são as menos infetadas, mas foram as mais afetadas pela pandemia e que os problemas prendem-se com a pobreza infantil, a violência intrafamiliar e a doença mental, incluindo dependência de ecrã.
Seremos todos capazes de monitorizar, de forma saudável, a vida dos seres mais vulneráveis, entre os quais se incluem as crianças e jovens, a fim de detetar as suas possíveis disfunções existenciais e o possível perigo nos seus passos?
A Escola é um dos locais privilegiados para o efeito como entidade com competência em matéria de infância e juventude.
Porém, para saber ler os sinais do perigo, é necessário estarmos cientes da natureza e das cores desse mesmo perigo. E, para isso, é preciso conhecer as normas e as convenções que, nacional e internacionalmente, foram gizando os direitos fundamentais dessa classe etária.
Sabemos que a forma pela qual a criança absorve as vivências do mundo é distinta da do adulto, o que não significa que ela seja “menor” que o adulto em intelectualidade, mas apenas que determina o significado das coisas de modo diverso e com saber diferenciado. Portanto, a diferença entre as crianças e os adultos não é quantitativa, mas qualitativa: a criança não sabe menos, apenas sabe outra coisa.
Assim, a palavra de ordem é mesmo a reinvenção.
Há que assumir de vez que a tecnologia educacional não se resume a plataformas de aulas online, sendo importante pensar em diversificar as experiências de aprendizagem. Sugiro que se envolva o aluno na criação das novas aulas, que se coloquem os «curricula» à prova e que se reduzam os seus tempos – o «menos é mais».
Ora, diante de uma crise deste género, talvez valha a pena uma hora a menos de conteúdo e uma hora a mais para captar os lírios do campo, os talentos inconfessáveis de tantas crianças e para ensinar aos mais novos que são Sujeitos de Direito e não apenas candidatos à Cidadania.
Direi eu ainda: fará o mesmo uma Escola que se saiba reinventar, contra os próprios papões da burocracia administrativa, vencendo os medos, os pandémicos e os outros, porventura bem mais paralisantes.
Paulo Guerra
Juiz Desembargador, em comissão de serviço no Centro de Estudos Judiciários (CEJ), como Diretor-Adjunto da instituição, é licenciado em Direito e mestre em Jurídico-Criminais. Foi Auditor de Justiça na Comarca de Leiria e Juiz de Direito em diversos locais, incluindo no Tribunal de Família e Menores de Coimbra.
Desempenhou funções como Docente da Jurisdição de Menores e Família no CEJ, Juiz-Secretário do Conselho Superior da Magistratura, Coordenador da Área de Família e Menores no CEJ e representante do Estado Português em diversas ocasiões no âmbito europeu.
Autor de vários artigos e obras jurídicas no âmbito do Direito de Família e das Crianças é, também, conferencionista e formador, bem como membro do “Réseau Européen des Juges Concernant la Justice des Mineurs”.