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    Obrigado!

    Obrigado!

    1/10/2023

    A origem de “obrigado” é latina: vem do particípio passado do verbo “obligō”. Ora este verbo tinha entre outros, o significado de “ligar”, “atar”, “atar com um laço”. Abrindo um parêntese, deixo de lado a circunstância de a interjeição “obrigado” provir depois do particípio passado do verbo português “obrigar”, que implicava um sentido de obrigação, sentido esse que a interjeição perdeu, ainda que não por completo. Nesta ótica se entende, julgo eu, o motivo por que a interjeição, ao ser dita por homens, é “obrigado” e, quando dita por mulheres, é “obrigada”. É que tal não deveria acontecer, considerando que as interjeições são palavras invariáveis. Mas, como a nossa interjeição de agradecimento vem dum particípio que, por vezes é também adjetivo, ou seja, palavra variável em género e número, aceita-se que esta particular interjeição, “obrigado”, possua duas formas, uma para o masculino, outra para o feminino, dependendo de quem a usa.

    Mas voltemos atrás, à sedutora ideia de ligar. Este valor semântico, contido na interjeição “obrigado”, é justamente um dos encantos do termo português, quando comparado com com o “merci” francês ou com o “gracias” espanhol.

    Ao dizermos “obrigado” não estamos apenas a manifestar, de forma cortês, o nosso agradecimento; algo na etimologia da própria palavra sublinha esta ideia de nos ligarmos de alguma maneira ao outro, reforça um laço pessoal e isso traduz uma relação humana que envolve uma inegável beleza.

    Mas agora assinale-se outro aspeto curioso, para o qual alerta Marco Neves, conhecido professor e linguista, em artigo publicado no seu blog Certas Palavras https://certaspalavras.pt/qual-e-a-origem-de-obrigado/: “Só no século XIX começamos a ver surgir nos nossos textos o ‘obrigado’ com o sentido de agradecimento que lhe damos hoje. Imagino que, na oralidade, o uso seja um pouco mais antigo. Mas tudo indica que Camões não dizia ‘obrigado!’ quando alguém lhe dava alguma coisa…”

    Também por esta razão e por outras, certamente, não é possível dizer que o japonês “arigatō” descende do português “obrigado”, mesmo aceitando que os portugueses foram os primeiros ocidentais a chegar às ilhas nipónicas, a estabelecer contactos e negócios com os japoneses e a exercer influência nessas terras distantes da Ásia. E estamos a falar dum povo que preza aliás muito as relações culturais com Portugal, quer porque Nagasaki foi um centro de influência colonial e cristã portuguesa a partir do século XVI, quer porque o nosso escritor Wenceslau de Moraes (1854-1929), por exemplo, viveu longos anos, escreveu e acabou por morrer no Japão, onde é respeitado.

    Termino lembrando que, em Inglês, a expressão “much obliged”, usada só em determinadas circunstâncias, corresponde no fundo ao nosso “muito obrigado”. E vem-me à memória o cinema, em especial certos westerns em que um cow boy tocava com os dedos indicador e médio na aba do seu chapéu de vaqueiro e, para agradecer alguma informação ou gesto, despedia-se dizendo “much obliged”.

    Seria agora caso para eu próprio dizer: obrigado por ter tido a amabilidade de ler este texto.

     

    José António Gomes

    Professor da Escola Superior de Educação do Porto

    

    

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