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Mão que fala
2/1/2021
Menino da arma na mão, queria que soubesses e pudesses dizer não. Menino das savanas de África, das ruínas e areias do Oriente, das colmeias suburbanas a sul do Equador; menino a cujas mãos alguns entregam o raio em vez de brinquedos, em vez de pão – na selva ou na montanha, na favela brasileira ou no bairro desprezado da Europa ou das Américas… Queria muito, menino, que soubesses e pudesses dizer não. Queria que um livro ou uma bola, uma carícia ou uma pomba pousassem nos teus dedos. Que em vez de estrondos e de gritos os teus ouvidos atentassem num verso ou num mágico fio de melodia.
Mas tu não tens mancha, não. Mancha se vê nos que te têm no fundo mais fundo da pobreza, mancha se vê nos que enriquecem com a venda do fuzil que te chega às mãos. Mancha se vê nos que te negam escola e ginásio, jogo e biblioteca, e se afundam em poltronas douradas. E continuam a fazer uso da tua vida, da tua morte. Mancha se vê nos que te roubam mãe e pai, nos que te apagam a linha do horizonte.
Por isso este breve poema, ao jeito japonês, no livro: Espanta-espíritos
Menino com armas.
Quem nas breves mãos lhas pôs?
Criadores de feras.
Contra teus dedos ainda breves, manchados de sangue, uma mão levanto: a que diz não à guerra, ao negócio das armas e à pobreza – que, se as não impedimos, farão de ti uma criança-soldado, uma criança sem futuro.
João Pedro Mésseder