Blog

Categorias

    Um burro sem idade – história de Natal

    Um burro sem idade – história de Natal

    12/4/2022

    Era um burro dócil, já velho, cujo dono, um pastor, o recebeu em herança de um vizinho de idade avançada. Este vizinho, viúvo e sem filhos, prometera-o ao pastor antes de morrer. Mas com a condição de que o tratasse bem.

    O novo dono, porém, tornou-se um homem colérico e violento, e cuidava muito mal do bicho. Nem sequer usava o nome que o antigo dono pusera ao animal. E por isso ele era simplesmente… o burro.

    Pouco se apoquentando com o que lhe dava de comer e com as horas de o fazer, não o limpava nem tinha a preocupação de o cobrir com uma pele de ovelha nas noites mais frias. Todos os dias lhe batia usando o pau com que sempre andava, magoando-o para que trotasse mais depressa quando transportava algum fardo. Sobrecarregava-o com pesos desmedidos e não era raro o pau cair com força sobre a pobre besta, só porque o dono acordara maldisposto ou porque alguma coisa o irritara.

    Certo dia, emprestou o velho burro a um moleiro, a troco dumas moedas, e este carregou-o com sacos de cereal até mais não poder. Depois saltou-lhe para cima, tocou o animal para diante com uma vara, e começaram a percorrer um caminho tortuoso e interminável pelo meio dos montes.

    Quando a noite caiu, sentiram a ameaça dos lobos que os vinham perseguindo de perto. O jumento assustou-se, mas a fogueira que o moleiro acendeu logrou protegê-los. Depois atravessaram uma paisagem meio deserta e tórrida e o pobre burro, exposto ao sol ardente, quase morreu de sede. Ao fim do dia, o homem soltou os sacos, amontoou-os no chão e, quando estava prestes a cobrir-se com uma manta para dormir, surpreendeu-os uma tremenda tempestade, com vento, trovoada e chuva. Caíam ramos de árvores, o vento até pedras arrastava e a chuva era torrencial. Nada se via naquela escuridão. Na manhã seguinte, os sacos continuavam no chão, encharcados, e o moleiro desaparecera, talvez em busca de abrigo.

    Maltratado e ferido, seco de carnes e sem palha enxuta para comer, o jumento sentiu-se perdido. Começou então a descer o monte enlameado onde se encontrava, sem saber sequer aonde iria parar.

    Na noite seguinte, lá longe e em plena montanha, o dono do burro e os demais pastores foram sobressaltados por alguma coisa, uma estranha voz, diziam uns, que a todos agitara e que provocara alarido. E isso os fez decidir deitar pés ao caminho.

    Seguindo, ao que se diz, o rasto duma estrela, os pastores chegaram enfim a Belém, velha cidade da Palestina erguida no que hoje é a parte central da Cisjordânia.

    E foi aí que o colérico pastor veio a encontrar o seu burro. Estava deitado num estábulo, à direita de uma manjedoura. E sobre palha, velada por uma mulher e um homem, via-se uma criança recém-nascida.

    Por momentos, pareceu ao pastor que o velho animal rejuvenescera, que a pelagem era nova e ficara mais lustrosa. À esquerda da manjedoura deitara-se um boi. O pastor deu conta do bafo quente dos animais que a fria noite deixava ver e, de repente, naquele quase silêncio, sentiu-se invadido por uma grande paz.

    Ao aproximar-se da manjedoura com os companheiros, para deixarem à pobre família refugiada no estábulo as oferendas que traziam – queijo e pequenas bilhas de leite –, o pastor percebeu então que o seu burro, nutrido e limpo, pousava nele um olhar tranquilo. E que o reconhecia.

    Entretanto, ao longe, avistava-se um grupo de três homens de vestes ricas que, montados em camelos, se vinham aproximando também eles do estábulo. 


    João Pedro Mésseder


    • Pais e família
    • Efeméride