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    Dia da Europa

    Dia da Europa

    5/5/2021

    Querida Europa, hoje é o teu dia, os meus parabéns! A minha prenda é este belo retrato que Pessoa de ti fez, na “Mensagem” (como já Camões e Miguel de Unamuno tinham traçado os deles, também em poesia). Ele evoca matrizes tuas, ora escuta: “A Europa jaz, posta nos cotovelos: / De Oriente a Ocidente jaz, fitando, / E toldam-lhe românticos cabelos / Olhos gregos, lembrando.”

    Vem-me à memória, a propósito, aquele livrinho magnífico do George Steiner intitulado “A Ideia de Europa”, com o qual tantas coisas aprendi sobre ti e sobre a tua identidade (ou talvez devesse dizer: sobre as tuas identidades).

    Querida Europa, uma das coisas que aprendi foi a não aceitar que usurpes hoje um nome que é de tantos, incluindo a Suíça e a Noruega e o Reino Unido e o Liechtenstein e Andorra e a Islândia e a Bielorrússia e a Rússia e não sei quantos mais que não quiseram fazer parte da União Europeia.

    E a propósito de estados, querida Europa, a segunda coisa que te quero recomendar é que respeites a independência e soberania de todos e de cada um dos países que constituem a União, e daqueles que a ela não pertencem. Um território extraordinariamente rico, belo e calcorreável, tão diverso e, em certos aspetos essenciais, tão uno (como Steiner ensinou).

    Agora, deixa-me que te sugira, querida Europa, que nos teus discursos oficiais não confundas democracia com certo tipo de sistema económico. As duas coisas não são confundíveis, e a segunda nunca é escrutinada pelo povo.

    Além disso, não endeuses o mercado, querida Europa, não endeuses os bancos nem o dinheiro. Se queres endeusar alguém, opta pelos teus cidadãos, quer dizer, pelas pessoas, seres humanos comuns que trabalham e apenas desejam viver uma vida com dignidade.

    Querida Europa, humaniza a economia. Não continues a seguir o caminho daquela “economia que mata”, de que fala o Papa Francisco, em Roma. Trabalha, mas trabalha a sério, Europa, para a justiça social e a solidariedade, se é que no sistema que criaste isso é viável.

    Querida Europa, trata de forma igual as mulheres e os homens. Chega de desigualdade.

    Querida Europa, valoriza e preserva o plurilinguismo e a diversidade das culturas, e promove o diálogo entre elas. Não queiras diluir nem uniformizar o que é diverso.

    Inclui, querida Europa, inclui, ao invés de excluíres. E não te esqueças de que a inclusão é, antes de tudo, social, económica, educacional. E que a exclusão é a raiz de todos os males: do racismo, da xenofobia, do discurso de ódio, dos governos ditatoriais.

    Lembra-te, querida Europa, que a liberdade é muito importante e muito bela, mas que só pode ser livre quem tenha acesso a um trabalho digno, a uma habitação digna, a educação de qualidade, saúde de qualidade e cultura de qualidade. 

    Querida Europa, sei que não esqueces as guerras que te dilaceraram, e espero bem que tenhas sempre presente o que foi o Holocausto. Continua, pois, a cuidar da paz como se fosse uma flor rara, mas por favor não vás fazer guerras fora de portas, nem vendas armas aos fazedores de guerra e de violências deste mundo, nem te dediques às ameaças e às sanções contra países soberanos. Lembra-te que as vítimas dessas sanções são sempre os povos e, em primeiro lugar, os mais pobres.

    Não esqueças, querida Europa, as Declarações Universais dos Direitos Humanos e dos Direitos da Criança, para as quais os teus trabalharam tanto. Mas, acima de tudo, mantém vivos e atuantes esses articulados. Pensa também, seriamente, no ambiente e compromete-te com mais afinco, com mais ações concretas, na salvação do planeta. Mas lembra-te que há sistemas económicos que, pela sua natureza, dificilmente virão a ser “verdes”.

    Não continues a permitir, querida Europa, que o poder político esteja submetido ao poder económico não eleito (lembra-te sempre do caso da vacinas contra o COVID19). Não deixes que se agravem as profundas desigualdades entre países da União em termos económicos, nem que um diretório de alguns países imponha a sua vontade e os seus interesses a toda a União.

    Quando lidares com migrantes e refugiados, querida Europa, recorda os teus próprios cidadãos emigrados, ao longo da História, e lembra-te dos europeus que no passado colonizaram e violentaram os lugares de onde chegam hoje esses migrantes. Ah, e a propósito disto, não te esqueças do Poverello de Assis, de Voltaire, de Schindler, de Aristides Sousa Mendes, do Abbé Pierre…

    E já agora, querida Europa, não permitas, no teu espaço territorial, a exploração de mão-de-obra escrava ou quase.

    Lembra-te sempre, Europa querida, que és o continente dos cafés e das acesas discussões intelectuais que neles tiveram lugar, espaços de tertúlia, de polémica e de eventos artísticos que fizeram sempre avançar a arte, o pensamento e a sociedade. Cafés do norte, cafés do sul, cafés do leste, cafés do oeste. Mas valoriza, a par disso, os que ajudaram a humanidade a dar passos de gigante, ou seja, os teus homens e mulheres de ciência. Que eles continuem a ser exemplos para os dias que hão de vir.

    E finalmente nunca te esqueças, querida Europa, do velho Homero e dos imprescindíveis Sófocles, Ésquilo e Eurípides; de Vergílio e de Ovídio; de Dante, de Camões, de Shakespeare e de Cervantes; de Jane Austen e de Flaubert; de Baudelaire e de Rimbaud; de Tolstoi e de Rilke; de Proust, de Kafka e de Joyce; de Apollinaire, de Lorca e de Pessoa; de Akhmátova, de Marguerite Yourcenar e de Szymborska; de Erasmo, de Kant e de Hegel; de Rousseau e de Marx, de Rosa Luxemburgo e de Freud; de Simone Weil e de Hannah Arendt. E que jamais se deixe de ouvir nas tuas salas de concerto J. S. Bach e Mozart, Beethoven e Schubert, Wagner, Verdi e Grieg, Tchaikovski, Chostakovitch e Lopes-Graça; e que nunca sejam esquecidos Leonardo e Michelangelo, Vermeer e Velázquez, Goya e Van Gogh, e Matisse, e Picasso e Paul Klee, a par de todos os outros que não posso referir aqui e cujas obras fizeram e continuam a fazer a beleza e a grandeza da tua arte, da tua cultura.

    E permite, enfim, que termine com estas palavras futurantes de outro escritor português, Adolfo Casais Monteiro, no seu belo poema “Europa”, escrito no rescaldo da 2.ª Guerra Mundial: “Europa, tu virás só quando entre nações / o ódio não tiver a última palavra, / ao ódio não guiar a mão avara, / à mão não der alento o cavo som de enterro / dos cofres dirigindo o sangue do rebanho / – e do rebanho morto, enfim, à luz do dia, / o homem que sonhaste, Europa, seja vida!”

     

    João Pedro Mésseder

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